Quando você descobre que ser judeu é perigoso
Você é odiado porque é judeu. Eles sempre terão razões para justificar isso
Eu cresci conhecendo o judaísmo. Desde que me entendo por gente, o sábado é um dia sagrado, e toda sexta ao pôr-do-sol, minha família se reuniria com amigos e cantaríamos diversas músicas juntos, e entre rezas e orações, muita comida e alegria. Tantas risadas, tantas conversas, um dia inteiro de descanso. A minha mãe cozinhava tanta coisa, era incrível.
Nós tínhamos uma série de alimentos que nunca deveríamos comer, como carne de porco. Quando você é criança e nem entende direito, você se acostuma a isso. Não é um bicho de sete cabeças. É o que é.
Não tínhamos televisão quando eu era mais nova, mas às vezes a gente pedia a televisão emprestada de um vizinho, pegava uma VHS e então sentávamos para assistir filmes bíblicos, como da arca de Noé, os 10 mandamentos, a rainha Ester. Eu ouvia sobre a Torá, principal obra do judaísmo, e sobre o Tanach, a Bíblia Hebraica, que era o que a gente seguia.
Depois de uns anos, por diversos motivos, paramos de fazer várias coisas, e minha mãe incentivou que eu e meus irmãos buscassemos aquilo que nós gostávamos. Ela ainda acredita no judaísmo, obviamente, ela é fã da Cabala. Eu particularmente, nem tanto. Acho interessante, mas é um lado muito místico pra mim, até demais. Meus irmãos amam o judaísmo, mas são mais na pegada secular, assim como minha mãe atualmente. Meu irmão tem um anel com uma frase em hebraico, é um salmo, e ele tem muito orgulho de usar.
A minha família cresceu com o judaísmo. Minha mãe foi adotada, cresceu numa família meio católica, meio umbandista. Falavam que uma avó ou bisavó da minha mãe, biológica, era judia. Diziam que ela veio de outro país e falava palavras estranhas, tinha certos hábitos diferentes. Eu não sei se é verdade, a história da minha família é muito confusa e nunca fui atrás disso. Mesma coisa do lado do meu pai, história confusa.
Teve todo um rolê na minha infância e já morei em Goiás, depois voltamos pra Uberlândia, e minhas melhores lembranças estavam na escola. Um pouco mais velha, eu era como qualquer estudante, uma jovem fã de RBD, que amava estudar, e usar tiarinhas na cabeça. Eu era como qualquer outra criança, até alguém oferecer um salgadinho de presunto ou um pão com mortadela, e eu responder que "não, obrigada, eu não como nada derivado do porco". Então as perguntas começavam. "Por que você não come porco? Que estranho. Você não gosta?". "Eu sou judia", eu respondia. Era natural pra mim dizer isso, e é aí que começavam as perguntas. Acho que a pergunta que mais doía era, "você não acredita em Deus? Por que não acredita?". Eu ficava ofendida com a pergunta, afinal, sempre acreditei em Deus e sentia até falta de estar nas rezas em comunidade. Sempre gostei de orar e conversar com Hashem. "Eu acredito em Deus sim, por que você diria isso?".
Eu tive que dar essa resposta algumas vezes, e uma vez uma criança me disse que os pais dela disseram que os judeus não acreditam em Deus. Minha mãe falava pra dizer que tinha alergia a porco se alguém perguntasse. Ela disse que várias vezes aconteceu dela dizer que não comia carne de porco, e às vezes colocarem mesmo assim, então é mais fácil falar que é alérgica, pra não dar problema.
Parece meio bizarro isso, ne? Mas as pessoas estão sempre consumindo coisas derivadas do porco, então até hoje, eu tenho que dizer pra não colocar farinha na comida se eu vou comer fora, porque tem várias farinhas que tem algo de porco nos ingredientes. Não posso comer cachorro-quente na rua, porque se eu perguntar se a salsicha é de porco, os vendedores não sabem. A maioria não fica preocupada com essas coisas, mas se você é judeu observante, a parte alimentar te faz ficar atento toda semana.
E não me leve a mal, não tenho problema alguma de responder perguntas sobre a alimentação judaica ou sobre o judaísmo. Mas eu tive que ouvir piadinhas tantas vezes, que você começa a identificar um tom por trás.
Foi no final do fundamental I que eu fui descobrir quem era Jesus Cristo, Novo Testamento, discípulos, Apocalipse. Os alunos falavam dessas histórias novas, que eu não conhecia. Talvez foi ali que comecei a entender sobre cristianismo, porque eu realmente cresci numa bolha que eu amava. Pela primeira vez, eu tinha consciência do que era Natal, por exemplo, porque nossas festas eram diferentes. Eu comemorava Sucót, e inclusive já dormi dentro de uma Sucá montada, era INCRÍVEL. Os alunos não sabiam o que era Sucá ou Sucot, mas eles falavam de árvores de natal e pisca-piscas. Eu ouvia fascinada. Moro em um país cristão, a maioria segue o cristianismo, e eles adoram um tal de Jesus Cristo. Mas ok, eu sou judia, eu sigo o judaísmo, tem muita coisa fora da bolha judaica, as pessoas são diferentes e tem costumes diferentes, não é nada anormal, certo? Pelo menos, de minha parte, algo ok. Óbvio que várias coisas acho estranhas no cristianismo, mas imagino que muitos achariam estranho várias coisas no judaísmo.
Só que as perguntas sobre por que eu não acreditava em Deus nunca pararam. Hoje eu entendo o que elas estão perguntando, é sobre Jesus Cristo. Não, nós judeus não acreditamos que ele seja Deus. Mas sim, eu acredito em Deus. Me surpreende quando tantos não sabem a própria origem do cristianismo. Quero dizer, Jesus era judeu. Afirmam ser continuação do judaísmo e não negam a verdade da Torá ou do Tanach, mas chamam nossa Bíblia Hebraica de Antigo Testamento e afirmam ter uma nova parte, o Novo Testamento. Até aí, ok, diferenças religiosas. O islamismo também afirma ser continuação e ter a última parte, o Alcorão, e o profeta deles é Maomé. Quando um cristão me pergunta o motivo de não acreditar em Jesus Cristo, eu confesso que às vezes dá vontade de responder, "por que você não acredita em Maomé?".
Quando eu era pequena, minha mãe me aconselhava a dizer que tinha alergia aos alimentos que não podia comer, do que ficar explicando que sou judia. Ela também dizia pra tomar cuidado quando falar algo de judaísmo com outras pessoas. Primeiro porque no judaísmo, não existe a crença de "você tem que ser judeu pra ser salvo". Se você é uma boa pessoa, independente de sua crença ou falta dela, você pode estar no reino dos justos. É seu coração e suas atitudes que dizem isso, e portanto, você tem que respeitar crenças diferentes da sua e é proibido tentar converter alguém ao judaísmo, porque é até uma falta de respeito caso a pessoa tenha uma crença, e você quer colocar a sua crença nela. E segundo porque... pode ser perigoso. A Thainá criança não entendia por qual motivo seria perigoso, mas hoje, a Thainá adulta entende. As olhadas, quando eu vestia túnicas na infância.
Quando cheguei em São Paulo, com meus 11/12 anos, foi um choque cultural. Sair de uma cidade incrível como Uberlândia e chegar nessa metrópole enorme ...
Quando pediram pra que eu me apresentasse, como toda adolescente, eu ficava extremamente tímida. "Sou Thainá, tenho X anos, nasci em São Paulo, mas cresci em Minas Gerais, sou judia, gosto de ler...". Aprendi a dizer "branquinho" ao invés de errorex. O paulista chama a rosca de "pão doce". Até hoje me recuso a dizer isso. Pão doce? Hahaha.
Então, desenhos de suásticas começaram a aparecer nas carteiras e os alunos me olhavam assustados. Eles estavam entendendo algo que eu não entendia. Ao contrário de certas famílias, não cresci ouvindo sobre Holocausto, não tocavam nesse assunto. Aliás, muitos filhos de sobreviventes do Holocausto não falavam, sabia disso? Levou muitos anos pra terem coragem de falar, porque foi um trauma que passou de uma geração pra outra. Sei que parece ignorância, mas a euzinha de 12 anos, não entendia o que era aquele símbolo desenhado na minha mesa. Mas alguns alunos entenderam. Uma professora começou a brigar, apagaram o símbolo da minha e de outras mesas, e alguns alunos estavam revoltados.
"Qual o problema com esse símbolo?", eu perguntei. "Você não sabe? É crime desenhar isso", uma colega respondeu.
Algumas semanas depois desse episódio, eu ainda estava naquela fase de "aluna nova na escola, tímida, sem amigos, tentando me encaixar em algum grupo". Então um grupinho, com que eu estava andando, perguntou se eu realmente era judia. Eu disse que sim, e eles começaram a dizer que os judeus iriam morrer. Que eles tinham pena de mim, porque os judeus nasceram pra morrer. Que eu poderia ser estuprada e iriam me matar, e eles deram risada. Fiquei em choque. Lembro que disseram tanta merda, numa mistura de pena e deboche, e eu saí correndo pra biblioteca e fiquei chorando lá. A bibliotecária me viu e me abraçou, perguntando o que tinha acontecido. Eu lembro que uma pessoa, que se tornaria minha melhor amiga na escola, não saiu do meu lado.
Depois desse incidente, que eu não quis contar pra mais ninguém, aquele grupo disse que era brincadeira e que estavam me zuando. Eu não achei graça. Nenhuma. E comecei a tomar cuidado. As pessoas não precisam saber que minha alma é judia, pra que falar?
Fui pesquisar sobre Holocausto, tinha celular e internet. Fiquei horrorizada com o que eu vi. Era uma catástrofe. Então é verdade? Tem gente no mundo que odeia os judeus e querem nos matar? Que bizarro...
Então eu dei um tempo nessas pesquisas, realmente era muito pra minha cabeça juvenil entender, e fui ler livros. Harry Potter, Senhor dos Anéis. Criava RPGs, ouvia músicas diversas, principalmente rock.
Tive uma época meio emo, em que via vários dos meus colegas questionando a existência de Deus, e comecei a questionar também. Eu lia a Bíblia, encontrei várias incoerências, e ia anotando as coisas estranhas que achava naqueles textos. Ia pra internet buscar respostas, mas não me satisfazia com elas. Entrava em sites e fóruns religiosos, mas somente no judaísmo eu me encontrava de novo. Porque eu estava começando a ter essa mente de pesquisadora, a cientista, e a ciência é muito importante pra mim. Parecia que várias linhas religiosas tinham disputas com cientistas. Isso não fazia sentido pra mim, não quando no judaísmo, o que você mais é incentivado é a estudar e questionar, fazer perguntas. Não é por acaso que tem tanto cientista judeu. E me aproximei cada vez mais da linha do judaísmo crítico, aquele em que posso levar minhas dúvidas e inquietações a um rabino, e não vou ouvir uma mentira costurada. Eu acredito que o mundo foi construído em 7 dias? Acredito. Acredito que ele foi construído em 7 períodos? Acredito também. Até porque a palavra yom, do hebraico, pode significar dias, períodos, eras. E aí eu pedi desculpas pra Deus, porque realmente não consigo não acreditar nele. Mas eu respeito que tenha judeus ateus, e tantos outros seculares. Eu acho fascinante que todos eles, em Yom Kipur, estão na sinagoga. Eu amo o fato de fazer parte desse povo, mesmo que às vezes machuque .
Minha família sempre teve apreço pelo rei Davi, por Moisés, Abraão. Sempre considerei eles parentes distantes. Com suas falhas e acertos, são meus antepassados.
Então eu ia lendo mais, prestando mais atenção na Torá, vendo comentários de rabinos, mas esse foi um processo longo, de anos. Eu ia pra escola, depois pra faculdade, pensando na minha carreira. Mas finalmente, já na fase adulta, eu voltei para minhas origens e decidi formalizar tudo com o processo de Guiyur. Ter tudo documentado, por escrito, reconhecido pelo Estado de Israel. Teshuvá, um retorno completo
Voltei a frequentar as rezas e estar ativa na comunidade tem 4 anos. É tão incrível voltar pra casa. Eu amo estar nos grupos de estudo, no Cabalat Shabat, nas discussões, nas risadas. Eu amo tanto essa família, mesmo com as dificuldades.
Eu tenho vários amigos não-judeus, e nunca fiz distinção. Mas devo dizer, sempre me incomodou certas piadinhas. Algumas frases. Me lembro de uma vez ouvir que os hebreus assassinavam crianças em rituais, e a pessoa disse isso com tanta sinceridade e confiança, comi se ela realmente acreditasse nisso.
Nós éramos chamados de hebreus, depois israelitas, depois judeus. É o mesmo povo. E isso é uma mentira, uma das muitas mentiras contadas ao longo da história. Não, nosso povo não matava crianças, muito menos pra fazer pão ou seja lá o que. Você ouve tantas piadas, e tantas críticas, e sempre fiquei calada. Tentava levar na brincadeira. Mas acho que depende muito da pessoa também. Eu tenho uma amiga muito querida que sempre implica comigo pela questão do porco, mas ela sempre me fez sentir á vontade e sempre deixou claro que se eu estivesse incomodada, poderia falar. Ela me zoa, eu fico zuando ela. Mas são raras as pessoas com quem me sinto a vontade com isso.
Meses atrás, no trabalho, um "colega" disse o quanto os judeus são imundos e mataram Jesus. "Você é uma pessoa boa. Quer realmente ficar com essas pessoas ruins?". Mais um episódio em que fiquei em choque e não consegui responder. Fiquei estática.
Algumas semanas atrás, uma aluna perguntou pra mim isso:
"É muita hipocrisia cristãos defendendo judeus, você não acha? Vocês nem acreditam em Deus. Vocês não acreditam, não é? Em Jesus?"
Eu sei que ela não quis ofender. Mas isso já deixa um alerta vermelho. Foram 2 mil anos sendo perseguidos e acusados de matar Jesus Cristo. Somente nesse século, a igreja admitiu que não foram os judeus que mataram Jesus Cristo, foram os romanos. Pela milionésima vez, não, eu não acredito em jesus cristo como sendo Deus, e honestamente, talvez nosso conceito de messias seja diferente. Mas se você acredita no deus de Abraaham, Itzac e Yaacov, sim, você acredita no mesmo Deus que os judeus acreditam. Nós fomos monoteístas, quando mais ninguém parecia ser. Acreditávamos em um Deus só, invisível, motivo de descrença e deboche dos povos antigos.
Tive o privilégio de estar na presença de dois sobreviventes da Shoá. É um sentimento indescritível. Tive aula com um deles. Toda vez que eu ouço comentários, como "Hitler deveria ter terminado", "os judeus se fazem de vítima e exageram o Holocausto", "o Holocausto nunca existiu", eu quero surtar.
E agora estamos na maior onda de antissemitismo das últimas décadas. Pessoas sendo antissemitas, dizendo que não estão sendo. Quando alguém está sendo homofóbico, as pessoas ouvem a comunidade LGBT falar sobre o assunto. Quando homens estão sendo machistas, imploramos para ouvirem as mulheres. Quando falamos de xenofobia, tentamos ouvir os estrangeiros. Claro que uma pessoa não representa todas, mas as pessoas ouvem os judeus? Não. "Os judeus são mentirosos". "Os sionistas mentem, não acredite em nada deles".
É por isso que as pessoas preferem acreditam no que o Hamas diz. Um grupo terrorista que entrou em Israel, assassinou a sangue frio dezenas de jovens que faziam uma festa em comemoração a paz. Não importa de que país eram, foram assassinados a sangue frio. As cenas parecem de filmes de terror, uma caçada humana, onde jovens gritavam, correndo, fugindo, e eles iam atrás dando risada. Esses mesmos jovens tentaram se esconder em bunkers, mas muitos morreram lá dentro, porque eles foram atrás.
É por isso que as pessoas justificam as ações do Hamas. "O Hamas atacou? Com certeza Israel fez algo. Tenho certeza que os judeus fizeram por merecer".
Hamas estuprou em grupo diversas mulheres. Eles filmaram. Eles transmitiram ao vivo. Pegaram o celular da família dessas vítimas e ligavam aos parentes, pra que eles escutassem os gritos. Transmitiram algumas mortes no perfil das redes sociais das vítimas. Imagine você entrar no facebook, e ver uma postagem da sua filha, um vídeo que aparentemente ela enviou. Você clica em play. Ela está sendo estuprada e morta.
Eles queimaram pessoas vivas. "Ou sai de dentro dessa casa, ou vamos tacar fogo".
Sim, estou em choque com o que aconteceu naquele fatídico 07 de outubro de 2023. Eu não queria que nenhum deles tivesse morrido. Mas se fossem pra morrer, que fosse algo rápido, sem dor. Mas a perícia constata os diversos estupros dos corpos deixados. Até hoje tem gente desaparecida, e não sabem se tá sendo mantidos reféns, porque tem tanto corpo decepado, que tem que fazer DNA e sei lá mais que exames, pra saber de quem pode ser aquela mão decepada, aquela cabeça. Tentando fazer reconhecimento com arcarias dentárias encontradas, com cinzas de corpos queimados.
Eu vejo tantas pessoas chamando o Hamas de resistência nas redes sociais, porque bem... chamar de terrorista é pesado demais, não é? Quero dizer, eram judeus. Quem se importa se rasgaram a barriga de uma grávida, arrancaram "o feto" dela e colocaram os dois, lado a lado? E daí se davam risada enquanto faziam isso? Eram judeus, eles merecem.
E daí se mataram bebês? Aliás, quem garante que mataram mesmo? São judeus, eles são sionistas, eles mentem. Cadê as fotos? Cadê os vídeos?
Foi necessário chamar em uma coletiva de imprensa privada 100 jornalistas internacionais, e transmitir um vídeo dessas cenas a eles, pra acreditarem. Que ser humano é esse, que precisa ver isso pra acreditar que aqueles corpos mortos são reais?
Eles destroçaram tantos kibutzim... Um kibutz é parte de uma comunidade que surgiu de ideias socialistas e democráticas, onde nenhum de seus moradores teria algo a mais que os outros. Todos trabalham juntos pelo bem coletivo da sua comunidade. Tantos eram progressistas, com diversos projetos sociais, alguns que inclusive trabalhavam com palestinos, e tinham projetos com eles. Sabe o que dói? Esses terroristas sabiam as plantas do local, alguém passou pra eles.
Eu cheguei a ler que Israel permitiu o ataque, pra ter motivo pra atacar "a palestina". Eles tem tanto ódio dos judeus, que a narrativa se alinha. Eles mereceram, eles estão mentindo, eles permitiram isso. Eles são sujos, imundos, precisam sumir. Eles são genocidas. E por serem genocidas, eu vou cantar "Palestina livre do rio ao mar". Quem tá entre o rio e o mar? Israel. Tem vídeos de pessoas perguntando a manifestantes, "mas entre o rio e o mar tem Israel, o que acontece com Israel? O que acontece com os judeus?". Silêncio. Eles cantam abertamente sobre matar judeus e destruir Israel, enquanto chamam Israel de ser colonizador e genocida. Eles cantam em diversos lugares do mundo que os judeus precisam voltar para as câmeras de gás.
Eu nunca vou esquecer de abrir meu whatsapp, meus amigos mandarem mensagens sobre esse ataque e do desespero que senti naquele dia 07. Meus amigos em Israel. Meu Deus. Mandei mensagem, a maioria não respondendo, nem recebendo a mensagem. Amigos da comunidade judaica aqui do Brasil em choque, tentando entender o que aconteceu. Eu ir em um grupo de amigas que são de fora da comunidade pra desabafar, dizer que eu tenho uma amiga lá em Israel preocupada com a filha dela, de não entender o que está acontecendo. E uma delas, "amiga" desse grupo rm que desabafei. dizer umas porcarias tão nojentas, que não tive mais coragem de responder. Delas debocharem e mandarem emojis irônicos e de risada quando eu comentei que queria estar lá ajudando.
Enquanto nós estávamos tentando entender o que estava acontecendo, chorando pelos reféns, chorando pelos mortos, as pessoas justificavam as ações do Hamas e falavam sobre a palestina. "Por que você não fala da palestina?", foi o que ouviu um homem no mesmo dia em que tinha descoberto que a tia dele e o sobrinho tinham sido assassinados. Os amigos não-judeus deles não vieram oferecer conforto pelo luto. Ficaram em um silêncio constrangedor. E então vem de novo, "mas e os palestinos, ne?".
Você sente que não pode chorar, não pode sofrer, você tem que primeiro pensar na palestina. Qual palestina, eu me pergunto? Da Cisjordânia, lideradas pela autoridade palestina? Da faixa de gaza, cujo grupo terrorista Hamas está? Naquele momento, eu fiz essa pergunta a uma pessoa que veio falar disso comigo. Ela nem sabia a diferença de Cisjordânia e faixa de gaza. Israel não pisava os pés na faixa de gaza desde 2005, e até os corpos de judeus enterrados lá, naquela época, foram retirados. "Ah, mas Israel criou o Hamas", outra mentira. De fato, Israel ajudou esse grupo, porque ele não era o grupo que era hoje. É uma comparação idiota, mas imagine um traficante comandando uma comunidade. "Ok, vamos ajudar, eles pelo menos se importam com as pessoas e dão comida e cuidam de sua saúde". Não podia estar mais errado. É tão irônico pensar que uma das cabeças do Hamas quase morreu, e foi tratado em um hospital israelense. Faz a gente se sentir tão idiota. Uma das pessoas sequestradas, é sobrinho de um dos médicos que salvou a vida desse cara. Essas cabeças que hoje recebem na casa de milhões, financiados pelo Irã, e você vê aquelas pessoas a céu aberto, os palestinos, morrendo de fome.
Em 2007, eles começam a tacar bombas, e Israel começa a reforçar segurança nas barreiras e a vigiar. Como você confia no que está entrando no território do lado, quando eles juram que vão te matar? Hamas recebe milhões e milhões de reais por ano, e não tem a coragem de sequer construir bunkers para as populações. Construir túneis subterrâneos, com estrutura maior que a do metrô de São Paulo? Sim. Levar a população pra lá pra se defender dos ataques dos genocidas judeus? Não.
Eles atacam de casas civis. De mesquitas. De hospitais. Mas por que você deveria acreditar em mim? Sou uma judia sionista. Eu sou mentirosa, certo?
Acho engraçado que um monte de gente não faz ideia do que acontece no Oriente Médio, mas quando se trata de Israel, todos se levantam pra criticar esse país. Dizem que a guerra no Lêmen já deixou 600 mil mortes. O mundo fecha os olhos. Hamas ataca Israel. Levaram mais de 200 reféns. Não vi quase ninguém postando sobre libertar nossos reféns. Se solidarizando. Levou 2 dias e meio para as forças de Israel conseguirem tirar os terroristas de lá. Foi 2 dias e meio de matança, estupros, esquartejamentos, sensação de terror. Dursnte esses 2 dias e meio, quando Israel ainda tentava entender o que estava acontecendo e tentando resgatar as cidades que ainda tinham terroristas, uma parte do mundo ficou em silêncio. A outra parte comemorou, disse "bem feito", porque pra eles Israel é um estado opressor. "70 anos de opressão", eles dizem.
"Eu nunca me senti tão sozinho, e tenho certeza que todos os judeus no mundo sentem isso", disse uma das pessoas que perderam familiares. "Parece que só aqui, somente a comunidade judaica entende". Isso foi na minha sinagoga a algumas semanas atrás. Nunca esquecerei de ouvir essas palavras.
Cada bebê morto, cada mulher estuprada, cada decepação, cada tortura, eu senti isso como se fosse com a minha família, porque é. É isso que talvez as pessoas que não são da comunidade não entendem. "Israelense é uma coisa, judeu é outra". Cala a boca. Todo judeu no mundo tem direito a cidadania israelense se quiser, e tem o direito de fazer Alyah. Tem drusos e Árabes em Israel, mas a maioria é judia. O único estado judaico no mundo. Tantos estados cristãos, tantos estados islâmicos, só existe um país judaico, menor do que o Sergipe, e ainda assim, eles acham que nós não merecemos um lugar. Eles nos chamam de mentirosos, enquanto contam mentiras. Sim, infelizmente civis inocentes estão morrendo, dos dois lados. Mas Israel vai contra-atacar, tem o direito de se defender. Eles levaram mais de 200 dos nossos. Se o Brasil fosse atacado por um país vizinho, sequestrasse centenas de brasileiros e cque continuasse atacando o Brasil depois disso, você pediria para o Brasil parar de contra-atacar e cessar-fogo? O Hamas atirou no país inteiro, dia e noite, durante 30 dias seguidos, foram mais de 8 mil mísseis, nãoera biribinha não. Toda hora tocando sirenes e as pessoas correndo para os bunkers em Israel. Sabe por que você não vê Israel em ruínas? Porque investimos em segurança e temos o mais poderoso sistema de defesa do mundo, Iron Dome, que custa uma caralhada de grana. E ainda assim não é 100% eficaz, porque continuou caindo alguns. "Israel tem que parar de jogar bomba em gaza", fala pro Hamas parar também. O Iron Dome falhou, o sistema sobrecarregou, e cada imagem e vídeo que eu via dos mísseis atingindo a terra, eu surtava um pouco mais. E se eles conseguirem? E se eles destruirem Israel, o que será do nosso povo? Me questionei isso. De repente já tinha mais três países atacando ao mesmo tempo com seus grupos terroristas.
Eu lamento muito pelos civis que morrem no meio disso, mas Israel não teve escolha. Cercado por inimigos, as bombas vindo do Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica, do Iêmen. E inclusive chegou a cair no Egito algumas que iriam pra Israel, mas acusaram quem? Israel. Brasileiros acusavam Israel, até a CNN postou, quando conhecidos com quem converso que moram NO EGITO me falavam que nem eles acreditavam nisso, porque Israel sem querer deixou cair algo lá semanas antes e foi rapidamente pedir desculpas e se explicar. Porque no Oriente Médio, cara se um país começa a atacar o outro, o outro vai revidar, é assim que ali funciona. Tinha egípcio acreditando em Israel. Mas que moral tem o brasileiro de postar nas redes sociais que Israel atacou o Egito? E óbvio que eles não falam que Israel tá atingindo bases de terroristas, porque a Jihad Islâmica virou o que agora, um grupo de comunhão e orações? Sim, eles estão na Síria, Líbano, e eles atacam Israel. Eu lembro quando o Hezbollah atacou a primeira vez, semanas atrás, e Israel atacou a base que fez o disparo. Morreu jornalistas, infelizmente, que não entendi o que estavam fazendo ali naquele momento. Mas falaram que Israel atacou o Líbano do nada. Ha.
Todos os dias, mais bases terroristas são atingidas. A cabeça principal do Hamas convocou mulçumanos do mundo inteiro a participarem de um dia santo matando, atacando e judeus do mundo inteiro. Ele posta e ainda assim, "Hamas é resistência". De um dos povos mais perseguidos do mundo, com séculos e séculos de perseguição e expulsão, nós somos os colonizadores. A dor se mistura com a raiva. Nós, judeus, desprezamos o silêncio, porque enquanto eles atacam judeus, você fica quieto? Nós já vimos essa história antes. Nós temos uma lista em off de, "se tudo der errado, com quem eu poderia me esconder?". Essa lista fica realmente off, mas em momentos como esse, ela volta. Quando contei aos meus amigos de Israel da morte da presidente de uma sinagoga em Detroit, eles já sabiam da notícia, mas perguntaram se nossos amigos aqui estavam prestando suas condolências para nós. "A comunidade judaica sim, mas fora da comunidade, acho que só 5 amigos vieram falar comigo desde o conflito, pra saber como eu estava. Uns 4 do trabalho perguntaram se eu conhecia alguém em Israel e disse lamentar as perdas. O resto grita "palestina livre" ou finge que nada tá rolando".
"Não fale mais com eles, não são seus amigos. Cuidado com quem você fala, você sabe o que isso pode se tornar."
Nunca entendi os ortodoxos, a vontade de não se misturar, de não se assimilar. Agora entendo. Não quero mais falar com o mundo, ele merece meu silêncio. Eles votam pra Israel fazer um cessar-fogo, e não tem uma linha condenando as ações do Hamas e chamando eles de terroristas? Eles acabaram com a gente. Por que arrancam nossos cartazes com fotos dos desaparecidos e sequestrados?
Antes, eu ia nos grupos do Telegram, de notícias israelenses, e nos comentários pedia a paz e para as pessoas pararem de se xingar. Mas era tanto apoiador do Hamas invadindo, rindo, dizendo que estavam adorando os vídeos, provocando, jogando na nossa cara os estupros, que eu parei. Eles merecem ser xingados. Eles vão no meu privado me xingar. Eu só bloqueio, mas eles dizem isso.
Judeus são cães selvagens.
Nós vamos pegar todos vocês, não importa de qual lugar do mundo você seja.
Nem durma essa noite, talvez seja a noite em que a gente chegue na sua casa.
A federação israelita recebeu a ordem do Ministério das Diásporas, em Israel, pra orientar as pessoas a não sair com bandeira de Israel na rua, cuidado com objetos judaicos expostos, reforçar segurança na sinagoga, não ficar na frente de templos judaicos por muito tempo. Chegou, entra logo. Saiu, sai logo, não faz aglomeração na porta.
Você não vê um judeu indo em mesquitas xingar os muçulmanos, indo pixar ou algo assim. Porque se um judeu faz, a federação condena e vai atrás de medidas. Mas eles hostilizam judeus, e ninguém faz nada. E é por isso que agora está se tornando comum a polícia ali perto.
Só que eu não quero me esconder. Nós temos tanto orgulho de sermos judeus, por que deveríamos esconder isso? Ok, não responda, eu sei a resposta.
O mundo condenou Israel em minutos, quando o Hamas anunciou que atingimos um hospital e morreu 500 pessoas. Era um foguete da Jihad Islâmica que caiu, num estacionamento, provavelmente morreram alguns e feriram outros, mas pelas imagens e vídeos, acho que teve uns 50 atingidos. Depois de uma semana, os canais de notícia fizeram uma retratação bem pequena sobre a checagem da fonte dessa notícia. Sabe o que isso gera? Raiva.
O mundo perseguiu e matou judeus durante séculos, e o que mais fazemos é contribuir com a humanidade, de uma forma ou de outra. E se quiséssemos nos vingar de tudo o que já fizeram? E se fizessemos exatamente aquilo do que nos acusam? Se já levamos a culpa por atingir esse hospital, por que não atingir de verdade? Tem uma base militar no subsolo de um dos hospitais deles. Mira lá e atinge, vamos dar razão ao mundo. Eles não disseram que fizemos isso? Faça. Então você tem que lembrar que não adianta ter raiva, ela nos consome. Eu vi várias pessoas dizendo que os judeus são perseguidos e mortos a séculos porque merecemos, somos uma raça que só faz merda no mundo. Eu acho que o mundo adoeceu.
A revolta pela barbárie do Hamas se acumulou com a revolta e indignação pela falta de empatia e solidariedade do mundo, pelas mentiras, pelas acusações. Talvez, nesse momento, os judeus da Diáspora sejam os únicos capaz de confortar os judeus israelenses em sua dor e raiva. Mas quer saber? Tem dias que cansa. Porque nós sofremos sua dor, estamos chorando e tendo crises de ansiedade, falando com eles, confortando, pedindo calma, e aqui as pessoas nos chamam de colonizadores também. De apoiar genocídio. Eles usam essa palavra tão levianamente. Então, talvez, o mundo realmente devesse temer Israel. Estamos ficando fartos. Falam em boicotar produtos e serviços de Israel, boa sorte. Não existe diferenças do judeu aqui na Diáspora e o judeu de Israel. Começa desinstalando o whatsapp, facebook e instagram, criados, presididos por um judeu.
Eu nunca senti tanto ódio antes. Sinto como se fosse uma nuvem que me cerca, me engole, deixa minha garganta presa. Ao ler os comentários, isso me deixa tão doente. Às vezes eu queria sumir do mundo, outras vezes queria que o mundo sumisse. Sempre tive orgulho da minha essência judaica, e ainda tenho, mas regada a certa cautela e preocupação.
Talvez ninguém de fora da comunidade possa entender nosso temor. Talvez pra eles, isso não signifique nada. Daqui a alguns anos, elas vão se lembrar disso? Eu sei que os judeus do mundo inteiro vão. O dia 07 de outubro de 2023 ficará para sempre em nossos corações e mentes, para sempre no calendário judaico, algo que ainda não tem nome, algo que nunca ocorreu antes, não assim, e que não foi finalizado ainda. Nós estamos vivendo um trauma coletivo sem precedentes. Judeus da Diáspora estão morrendo também e sendo ameaçados.
Sempre ouvi que ser judeu é perigoso, e enquanto eu crescia, fui entendendo mais. Hoje, eu queria não vivenciar isso. Estamos entendendo coisas das quais a gente lia e ouvia, que eu preferiria não ter que entender nessa magnitude. Eu queria me dar ao luxo de me desligar 100% de tudo isso, mas não sinto que consigo. É a minha comunidade, meu povo, minha família, meus amigos. Minha mente tá uma merda, eu tô um lixo emocional, e ainda assim eu estou tentando seguir minha vida. Falo com meus amigos de Israel, eu nem posso imaginar o que eles sentem. Eu penso que ninguém mais entende o israelense e comsegue falar com eles, nesse momento, mais do que nós, judeus da Diáspora. Mas eu não estava lá, eles sim. Eles sentem de uma forma que eu não sei como vão superar isso, se é que vão um dia.
Eu li o comentário de um judeu, séculos atrás, ele escreveu uma carta dizendo o quanto era revoltante as pessoas olharem para os judeus e esperarem perfeição. Se um judeu erra, todo mundo leva a culpa. Os judeus são odiados, independentemente do que façam, e as pessoas querem cobrar de um povo, uma santidade e perfeição que ninguém tem. O bode expiatório da humanidade. Não somos perfeitos, nós erramos, fazemos merda, como qualquer outro povo. Mas nós temos o direito de existir e de ter uma terra.
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