Mais de 30 dias de guerra, mais um dia
Hoje foi feriado aqui no Brasil, e não precisei sair de casa. Foi mais um dia estranho. Descansei, dormi e cochilei bastante, li livrinhos de romance, senti vontade de desaparecer do mundo, dei risada, fiquei com raiva, chorei. Está sendo exaustivo sentir tanta coisa, uma dor imensurável. E aí eu decidi escrever isso, como forma de jogar pra fora antes de dormir.
O número de sequestrados diminuiu, porque a querida Noa Martziano foi brutalmente assassinada. Aquele grupo nojento acabou com ela, postaram vídeo e recomendaram não assistir, mas é meio difícil não saber o que tinha nesse vídeo quando todos estão comentando disso. Um monte de ferimentos de machado na cabeça, e aqueles nojentos disseram ao mundo que ela morreu de uma explosão de um míssil que a IDF lançou. Que piada. Mais um corpo foi identificado, de uma senhora super ativista em prol dos direitos humanos e pela paz. Eu nem quis saber muito dela, porque doeu demais saber que uma das pessoas que mais ajudava feridos palestinos, e os levava até hospitais israelenses para serem tratados, foi morta de modo tão cruel, que levou um mês pra identificarem seu DNA. É tantos requintes de crueldade, que tem momentos que só de pensar, eu quero vomitar.
Ah, e a israelense que vivia fazendo matérias anti-Israel, que era defensora ferrenha dos palestinos e de outros países mulçumanos, que inclusive fazia pós-graduação nessa área, pisou no Irã pra continuar seus estudos e foi sequestrada? Isso fazem 6 meses, e ontem divulgaram um vídeo dela. Céus, é nesses momentos que eu olho atentamente para a lista de países que um judeu deve evitar, não deve se identificar e dos que JAMAIS DEVE PISAR e me pergunto por qual razão ainda teimam em ignorar os avisos. Apesar da estupidez dela, não deixei de me perguntar o que está sendo feito para resgatá-la ):
Em alguns grupos com amigos judeus, algumas discussões continuam, então eu estou tentando não ficar lendo isso. Converso no privado, tento acalmar alguns. Quero dizer, foi justamente o fato da nossa comunidade brigar entre si, que fez com que nossa inteligência falhasse. Chega de brigas, certo? Não somos inimigos uns dos outros, nós somos família. E claro, como toda família, brigamos, mas ei, esse não é o momento pra isso. Não quando estamos com nossas almas em prantos e nos sentindo destroçados. Não é momento pra "eu te avisei que isso aconteceria".
Céus, eu os amo tanto, todos eles. E sei que estão todos pilhados. Eu tenho vários amigos em Israel e estou surtando. Imagina quem tem irmãos, genros, nora, sobrinho? Toda vez que sai a notícia de que um soldado da IDF caiu, eu quase me tremo, torcendo pra não ser um rosto conhecido. E não que não doa meu coração para cada caído, obviamente, sinto que estou perdendo irmãos todos os dias, mesmo sem conhecê-los. Até me inscrevi em um site para ter um "soldado ", e dei match com uma pessoa em que nos comprometemos a rezar o Shemá antes de dormir todos os dias.
Enquanto eu escrevia isso, entrei no instagram rapidinho, e vi que a embaixada em Tóquio de Israel sofreu tentativa de ataque. É muito cedo pra dizer o quanto odeio o mundo em alguns momentos?
Fiquei pensando nisso durante o dia, no quanto é difícil ser judeu. Nas palavras de um grande amigo, "ser judeu é difícil, mas é gostoso". Céus, é tipo, muito muito muito difícil. A pergunta que já dura milênios volta a ressoar, "por que eles nos odeiam tanto, e nos querem mortos?". É sempre uma desculpa, uma narrativa diferente. O que nós somos, 0,2% da população mundial? Somos uma minoria fadada a sofrer. Sério, não quero bancar a pessimista, mas tem dias que são insuportáveis. As pessoas de fora não conseguem nos entender. Elas não entendem e não reconhecem quando estão sendo antisemitas. O quanto diversos de seus comentários machucam.
Tem momentos em que eu me questiono, durante horas, estou exagerando? É normal sentir isso? Minha mente está uma merda, meu corpo está sentindo sinais, gastrite atacando, vontade de desaparecer, ansiedade. Então eu vejo que está todo mundo (da comunidade judaica) desse jeito, e respiro aliviada. Ok, eu estou pirando, mas não sou a única.
Faço as coisas do meu dia-a-dia normalmente, na medida do possível. Nunca usei tanto o google tradutor, porque essa se tornou a melhor forma de me comunicar com judeus do mundo inteiro. "Como você está hoje? O que está sentindo? Tá tudo bem por aí?", são perguntas traduzidas em diversos idiomas, mas dá um quentinho no coração saber que pessoas dos mais diversos cantos do mundo estão passando pelo que você está passando. Estão preocupadas, mas tentando dar risada.
Acho que essa é uma das muitas qualidades que admiro em nosso povo, a capacidade de, mesmo no pior momento, dar risada de algo, fazer memes e louvar a Deus. Não é muito diferente de ser brasileiro.
Aliás, deixe-me dizer, é tão difícil ser uma brasileira sarcástica. Eu faço piadas e não tem tradução, e meus amigos ficam tipo, ?????????
Eu falei pra um "vou ver e te aviso", 2 dias depois ele me perguntou se eu já tinha visto hahahahahah
E o outro, que eu comentei que continuava calor em São Paulo, e ele disse que estava se aproximando o inverno no país dele e eu tipo, "jura? nem sei o que é inverno", e ele não entendeu o sarcasmo e começou a tentar explicar o conceito da palavra em espanhol. Lol;
E aí você tem os grupos no facebook, algumas postagens no instagram e telegram, e aí começamos a conversar ali e surge muitas pérolas. Tipo o cara dizendo que a culpa disso era nossa, por não cumprirmos todos os mandamentos. Começaram a mandar ele calar a boca, e eu disse pras pessoas, "ei, deixe o coitado se expressar", e ele me disse pra rezar mais. Eu respirei fundo para não mandá-lo a merd@. Quero dizer, ei, estou rezando todos os dias, mas tenho direito de sentir raiva.
Ai, perdão, eu sei que temos que ser luz, EU SEI, é só que ouvir algo que faz com que a culpa seja nossa? AFFE
E aí começaram a usar um dos grupos pra divulgar os solteiros da comunidade, porque bem, tempos de guerra, os judeus em Israel adiantando casórios, os judeus na diáspora meio revoltados pelas hostilidades. Maimônides disse que a maior vingança para aqueles que nos odeiam, é trazer mais judeus ao mundo, e bem, ultimamente boa parte do mundo nos odeia, então... ENCONTRAR JUDEUS E FAZER BEBÊS JUDEUS! Achei que era uma piada, mas posso ter entrado numa brincadeira e agora estou decidindo o nome dos meus futuros filhos, com meu futuro marido, que sabe que só estou interessada em casar com ele, porque ele vai me tirar do Brasil, e não terei mais que ouvir as asneiras e piadas ofensivas que o governo destila aos judeus.
Bem, vi o vídeo de um senhor, que foi atacado em algum país, porque estava andando de bicicleta com a bandeira de Israel. Foi revoltante. É a menina judia no metrô de Londres apanhando, é um amigo meu andando na paulista e quase sai dali com uma surra bem dada sem nem entender o pq (ele tava com uma camisa da nossa Lehakat). E aí você vê um monte de gente com bandeira do Hamas e camiseta, e fica tipo, PARA O MUNDO, EU QUERO DESCER. Ahhhh
Um amigo postou a foto do irmão dele, continua vivo e bem, suspirei aliviada. A outra continua full pistola, mas eu compreendo e espero que também continue viva e bem. A doce "primavera" continua com saudades de casa, mas está fazendo planos pra me mostrar a cidade dela (que tá evacuada) quando tudo isso acabar. Ela fala tanto da biblioteca da cidade e do antigo posto policial, que foi destruído, que mal vejo a hora de ver pessoalmente.
São tantas histórias, são tantas coisas pra um dia só.
Me aproximei bastante dos judeus americanos, eles tem uma vibe tão legal. Mas devo admitir que me aproximar dos israelenses, está me dando dor de cabeça. Um representante do fundo comunitário disse semana passada, na sinagoga, pra gente continuar conversando com eles, que eles não estão bem, e isso significa o mundo pra eles. Depois de todas essas semanas, e da reação do mundo desde o 1º dia em que Israel foi atacado, eu tenho convicção em dizer que ninguém entende a alma e a mente de um israelense nesse momento. Os únicos que chegam perto somos nós, da diáspora, e ainda assim, é complicado. Às vezes, eles mandam áudios com os sons dos avisos pra entrarem nos bunkers, é horrível.
No Telegram, eu consigo ter uma maior noção de como eles, os que não estão servindo na IDF, estão pensando e sentindo com as notícias que saem, e eles estão revoltados com a perseguição e hostilização que os judeus estão passando no mundo todo. Depois daquele evento bizarro na Rússia, os pedidos de apelo pra que a gente volte pra Israel aumentaram demais. Essa é uma das mensagens que um camaradinha está postando em todos os lugares:
B''H
Meus irmãos e irmãs
Meu nome é xxxx
Estou morando em Israel
Por favor, volte para casa!
Israel é o lugar mais seguro para nós
Por favor, volte para casa. A guerra acabou de começar ..
Vai estar em todo o mundo
Nós somos família
Nós somos um.........
Estamos esperando você voltar para casa
É muito fofo a preocupação deles por todos nós, mas eu até falei com um dos meus amigos que fica toda hora dizendo que só Israel é segura pra gente, "não dá pra 7 milhões de judeus se mudarem para Israel ao mesmo tempo. Eu sei que lá, apesar de tudo, é nossa casa, e mesmo que o chão esteja pegando fogo, é onde estamos seguros, porque se acontecer algo com alguém, o país inteiro se junta para nos proteger e nos resgatar. Mas é mais complicado que isso. Realmente espero que as previsões deles estejam erradas.
E aí teve uma coisa engraçada, um cara postou sobre estar procurando alguém, e aí falou que é ateu, come carne de porco, não liga pra alimentação kosher, não se importa com feriados judaicos, mas que participa de todos pela família, e se seguiu uma longa discussão sobre:
"mas pq ele está postando isso nesse grupo?"
"ele é judeu, não deixa de ser judeu por não cumprir com a Halacha"
"não estou falando disso, estou falando que esse é um grupo para trocar notícias, não procurar namorados!"
"ele está fazendo um favor em buscar alguém, se um casal for formado aqui, está ótimo!"
"um casal? Deveria ser pelo menos 3 casais, pra compensação"
"Não é esse o ponto, esse é um grupo de notícias, vá para o Jdate"
"hum, gostei do seu perfil, podemos conversar. Mas eu sigo a alimentação kosher, se algo entre nós der certo, você vai ter que respeitar minha cozinha"
"o que diz a Halacha sobre um lar judaico, em que um cumpre as regras da alimentação, e o outro não?"
"não sei, vou buscar aqui nas fontes"
HAHAHAHAHAHAHAHA
Sinto que a cada dia que passa, nós estamos surtando mais mesmo. Tem momentos em que reclamo, "por que raios eu tinha que ser uma judia?". E então agradeço, porque é realmente fascinante. Eu até conversei com um ortodoxo hoje, e eu disse o quanto era ridículo ele achar que era mais religioso que eu, só porque ele cumpria mais mandamentos. Ele foi um doce comigo, e disse que não me achava menos judia por eu mexer no celular no sábado, mas que tinha conflito com os "menos religiosos". Não acho que ele estava bem, então foi mais uma pessoa que tentei acolher e dizer pra se dar um tempo, porque ele estava se culpando por não cumprir tudo 100%. Acho que os ortodoxos às vezes se cobram muito, e vira um problema quando querem cobrar os outros também. Mas é isso.
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