Faltam três semanas para algumas coisas mudarem e só mais duas semanas de trabalho. Tento me segurar no último fôlego de energia, mas alguns dias pesam mais que outros. Teve dias que não consegui trabalhar, mas pelo menos expliquei parte do motivo aos meus chefes. É horrível se sentir quebrada fazendo algo que se ama. E eu amo tanto a área de educação, e com certeza quero continuar nela, mas não assim. Não em um sistema tão corrupto, com famílias tão desestruturadas e tantos bandidos no topo.

Enquanto isso, no mundo da dança, alguns grupos já começam a preparar coreografias para o principal festival da modalidade. E eu fico de fora. Tento pensar em todos os momentos difíceis: as dores de cabeça, dores no corpo, bolhas nos pés. Mas é impossível ignorar a saudade e a abstinência. É estranho saber que não subirei em nenhum palco nos próximos meses.

Não tem discussão: vou ter que achar um novo grupo lá. Me recuso a passar dois meses sem dançar, que dirá um ano e meio. Não vou pro Festival do Rio de Janeiro, e isso dói. Sei que é “só” uma viagem e “só” um festival, mas também é rever amigos, passar perrengue dormindo no chão, as noites de fofoca, as rodas de Harkadá, abraçar pessoas que só vejo duas vezes por ano, mas que acompanho o ano inteiro nas redes sociais. Um ano atrás algo chato aconteceu e me fez tomar decisões novas, mas mesmo assim guardo com carinho cada abraço, cada confidência e cada vibração pelas apresentações. 

É acordar todo mundo para não perder horário, mas sempre acabar esquecendo alguém e ver o esquecido "reclamando" um monte. Conferir figurinos mil vezes, ouvir o grito “NÃO É PRA MARCAR, CARA***!”, passar horas arrumando cabelo e fazendo uma maquiagem complexa que nunca ficava perfeita, mas que meus óculos disfarçava os errinhos.

É vestir o figurino e pedir ajuda para fechar um botão ou zíper, levar o próximo figurino numa sacola, quando você vai dançar mais de uma vez, em uma mesma sequência de apresentações, rir nos bastidores até que chega a hora em que faltam mais três grupos, e então é o seu. Começar a fazer alongamentos e se aquecer, ficar na coxia, perto do palco. A B diria: “Não importa o que aconteça lá, a gente suou pra caramba pra estar aqui. Se cair ou errar, continua. Amo vocês” Logo depois, o D complementaria: “Vai dar tudo certo, mantém a calma.” Então, os assistentes do evento chamam, as luzes se apagam, é hora de entrar no palco e cada um achar seu lugar.

A sensação é inebriante. A movimentação caótica, porque todos os dançarinos mudam de lugar o tempo inteiro durante a música, tentar focar na sua parte, com cuidado para não esbarrar em alguém, tentar diminuir o nervosismo, porque precisa do impulso certo ao pular, girar, saltar, e você vai dançando e respirando fundo, suando, com medo de cair ou escorregar. 

Às vezes, você comete um erro bobo, e torce pra ninguém ter te copiado, porque às vezes, você precisa copiar alguém porque esqueceu uma parte. E é tão rápido. Às vezes, alguém não consegue acertar de jeito nenhum a sequência, então você decide se erra de propósito, porque pelo menos fica sincronizado, ou se faz certo. Quando acaba, aplausos. Alguns saem mancando, outros hiperventilando, com tontura. Um ou outro vai direto pro hospital, geralmente porque torceu o pé ou o joelho.  Já vi bombeiro ajudar dançarina que vomitou. 

O desespero quando torci o pé andando, sentindo uma dor insuportável, não conseguia colocar o pé no chão, e no pronto socorro desesperada pedindo pra uma recuperação rápida, porque em 3 semanas tinha apresentação. Fiz uma sessão de fisioterapia atrás da outra, os olhos lacrimejando, e consegui apresentar. Com dor moderada, mas deu certo. Nada que uma joelheira e um protetor de pé não resolvam.

O festival do fim de ano é outro capítulo. Quase todo mundo chora, de ansiedade, dor ou raiva. É um estresse que tem ensaio que você quer simplesmente desistir, mas sabe que não pode, porque nessa altura do campeonato, uma saída abrupta vai deixar buracos na coreografia, que dificilmente vai dar pra tampar. 




Dois anos atrás, choveu. Tivemos que atravessar o chão molhado para chegar à coxia. Todo grupo que saía do palco tinha pelo menos um integrante chorando. Eu não entendia… até que, com menos de 45 segundos de apresentação, caí. Sapatilha molhada. Levantei rápido, e continuei com um sorriso falso. Terminei a coreografia e, nos bastidores, chorei como os outros. Nem consegui evitar, na hora que apagou as luzes no palco, as lágrimas só desciam. Era o medo de ter estragado tudo, de ter decepcionado o grupo e o coreógrafo, a culpa.

Mas foi ali que me senti, pela primeira vez, uma dançarina profissional. Uma coreógrafa me disse: “Todo mundo vai cair e errar. O que te faz dançarina é levantar e continuar como se nada tivesse acontecido. Você fez isso.” E, mesmo que alguns a considerem “louca”, tenho enorme carinho por ela. Meu coreógrafo nem percebeu que eu tinha caído, disse que agi certo levantando tão rápido e continuando a coreografia. “Vai ver seu rosto aí que daqui a pouco a gente tira foto”, ele disse. E era tudo que eu precisava ouvir. 

E a coreografia dos leques? Eu jurava que nunca ia conseguir aprender aquilo, e não é que consegui? Dar pulinho, volta, meia volta, abrindo e fechando leque pra cima, pra frente, lateral. De ir pra uma ponta do palco, e depois ter que correr pro outro lado enquanto atravesso metade do grupo. E aquelas três saias? Já é difícil dançar com uma saia longa, aquele figurino tinha TRÊS. Juro, era tão pesada, e a gente tendo que levantar ela várias vezes e rodopiar. Saia dourada, por cima a vermelha, depois a preta por cima. Mas tenho que admitir, de todos os collant que já usei, era o mais bonito, cheio de pedrinhas.



Teve uma apresentação, que a gente girava numa roda, e tinha uns movimentos específicos pra fazer. Eu esqueci qual a sequência dos movimentos, e em segundos, meu cérebro congelou. Mas meu corpo continuou, girando, fazendo movimento errado, mas foi. Porque se eu tivesse parado ali, as pessoas que estavam atrás teriam se trombado comigo, e aí ia ser bem pior o resultado. 

Mas de verdade, a maioria das pessoas na plateia, não percebem esses erros, dificilmente. É muita coisa acontecendo no palco. Lembro de outra apresentação, em que metade do meu cinto soltou. E quase ninguém viu, só uma amiga que por um acaso tava prestando atenção em mim. E eu sem mexer no cinto, esperando a próxima parte da coreografia em que viraria de costas, pra arrumar.


Também lembro da primeira vez que alguém da minha família foi me assistir. Emoção surreal. A dança é tão importante pra gente e, às vezes, os outros não entendem. Sabemos que são só alguns minutos em cima do palco, mas esses minutos representam meses de ensaios longos, intensos, muita dedicação. De dores, de cansaço. De desgastes.

Às vezes, ouvindo Willow, da Taylor Swift, me imagino dançando livre em uma floresta, com vestido longo e o cabelo cacheado, armado, como tantas vezes foi insultado. Talvez seja mesmo “cabelo de bruxa”.

Idealizo uma realidade onde tenho tempo para aulas de balé, jazz contemporâneo, fit dance, dança do ventre, pole dançe e K-pop. Tenho dois pés esquerdos, memória ruim e aprendo devagar, mas se já consegui dançar no palco coreografias como Sefarad e Mimuna, tudo é possível.

Muita coisa está acontecendo. Muitos problemas. Mas, pelo menos, a dança continua aqui. Viva. E estou pronta para encontrar outro grupo, em outro país!



Mas penso que a dança israeli tem algo a mais, do que qualquer outra dança. É estar conectado com tantas outras pessoas, que compartilham algo em comum, a paixão pelo judaísmo, sendo expressa nos movimentos. As histórias do nosso povo, sendo contadas nas músicas, nas batidas, nas cores. Pessoas de outros estados, alguns bem longe como Manaus, e de outros países, como México e Uruguay. É nessas rodas de dança, que você sente uma energia que vai além do explicável. E 5, 6, 7, 8.


Nunca tive muito o hábito de me maquiar, mas é impossível não acabar pegando o costume. No início, eu tinha um lápis de olho e batons. Quando vi, nenhuma sombra era suficiente, e você sempre precisa de mais base e rímel. 

Eu estava numa vibe saudosista meio ruim, mas de verdade, estou tão animada pra me encontrar nesse novo lugar. Sei que tem grupos que viajam para alguns países próximos, na europa, pra apresentações. 

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