Bastidores da Criação
O retorno da escrita
Fazem duas semanas que eu não consigo parar de escrever. E não é uma escrita que vem da obrigação ou do trabalho, é aquela que vem da simples e pura vontade de colocar em palavras aquilo que a minha mente não para de pensar.
Eu sempre fui bem ruim em traquejos sociais, e em vários momentos, me sinto mais confortável em estar sozinha com meu celular na mão do que rodeada em um grupo de pessoas. Desenvolvi uma tolerância para conseguir ficar algumas horas na socialização, mas quando se trata de desconhecidos ou pessoas que me deixam desconfortáveis? A bateria simplesmente descarrega em uma velocidade impressionante.
A infância criativa e o amor pela escrita na web
Eu sempre fui muito boa em inventar histórias. Não em mentir, mas criar personagens e historinhas. Tenho uma lembrança de infância, de estar em uma casa sob a luz de velas, e de fazer reflexos na parede com a minha mão. Fingia que aqueles reflexos eram personagens, e contava diversas situações aos meus irmãos. Algumas coisas retratavam a realidade como eu a enxergava, e outras simplesmente surgiam. Uma outra lembrança é de fazer a atuação com bonecas.
Todos os dias, eu interpretava um capítulo diferente com as minhas bonecas, como se eu fosse a roteirista e elas as atrizes de uma novela ou série que eu conduzia. Não me lembro de muitas dessas histórias, mas me recordo da sensação de tristeza quando concluí um enredo. Não consigo me lembrar de ter voltado a brincar com isso. Por mais que eu gostasse, sabia que a história tinha chegado ao fim.
Na minha adolescência, além de brincar com muitos rpgs, comecei a escrever em blogs. Eu amo a escrita para web. Me lembro da sensação de ver as visualizações aumentando. 50 visualizações em um dia. 500 visualizações ao todo no site. Anos se passaram e ainda é surreal ver que chegamos a 800 mil visualizações.
O mundo acadêmico e a superação entre contradições
Um antigo amigo de infância ressurgiu e perguntou se eu tinha terminado a minha faculdade de jornalismo. Comecei a dar tanta risada com isso. Não, eu não me formei em jornalismo, mas diria que vários caminhos me levaram até aqui. Eu aperfeiçoei a minha escrita acadêmica, e entre artigo científicos e livros estudantis, eu amo e odeio a tela em branco e diversas ideias passando pela minha mente. As benditas das citações, que não posso esquecer de inserir no texto.
Foto de Story Thai
Eu odeio trabalhar sobre pressão, mas é isso que a pós-graduação faz comigo. Ela me obriga a construir coisas que acho não ser capaz de fazer, e entre muitas lágrimas e mártir interno, eu vejo o resultado de algo que parecia impossível e eu quero mais. Não tenho certeza de muita coisa da minha vida, mas eu sei que quatro anos de doutorado me esperam. Não sei quando ou onde, mas acho que finalmente deixei a culpa por não ter continuado estudando depois do mestrado, anos atrás.
Ainda é um pensamento que me assombra, eu deveria estar indo para o último ano agora, do doutorado, mas não fui. Achei que precisava de um ano para me reorganizar, mas a vida me levou a outras coisas e quatro anos se passaram.
Foto de Polina Zimmerman: https://www.pexels.com/pt-br/foto/foto-de-laptop-na-mesa-branca-3747447/
A escrita criativa, aquela que me faz criar personagens e jornadas épicas foi abandonada a muito mais tempo. E eu passei bons anos fingindo que não me importava com isso. Ainda estou tentando entender o que aconteceu. Eu parei de falar sobre a Revista Jovem Geek, e não queria ter nada a ver com aquela versão de mim que publicava no Nyah, Spirit e Wattpad.
Quero dizer, uma parte sabia que eu ia voltar com isso, mas era mais como um sonho distante. "Quem sabe no futuro, daqui a alguns anos, quem sabe". E eu não conseguia falar sobre isso. Pode não ser grande coisa, e pode não ter um significado profundo assim, porém... sinto que um muro se quebrou, e tem muita coisa caindo. Coisas que estavam presas, querendo sair de uma vez. E isso me assusta.
A dor e a vergonha que silenciaram a autora
São aquelas malditas vozes. Hoje, eu digo que elas não tem mais poder. É apenas um ruído baixo. Mas a verdade é que por muitos anos, elas ajudaram a construir esse muro. Talvez fosse necessária a existência dessa muralha, para eu não colapsar totalmente. Acredito em propósitos e em missões, então gosto de pensar que existe uma justificativa por trás de escolhas e ações.
O problema não foi só ter parado, foi a vergonha que isso me trouxe. Quando você ouve tantas vezes as mesmas coisas, uma parte de você começa a acreditar nisso.
"Tudo que você faz não presta. Você nunca vai ser boa o suficiente. Isso não vai te levar a lugar nenhum. Isso não é futuro. Isso não é trabalho. Isso é um lixo, igual a você. Isso é uma porcaria. Você deveria ter vergonha de perder o seu tempo com isso. Quando você vai crescer e amadurecer? Para com essas coisas infantis e vê se cresce. Você é uma vergonha, uma decepção. Tenho nojo de você."
Nesse momento, lágrimas escorrem pelo meu rosto. É uma coisa boa. Não é só tristeza ou raiva, é livramento. Não é fácil ignorar julgamentos, e palavras ainda machucam. Mas acho que provei para mim mesma, a minha capacidade. Uma das minhas maiores qualidades é a persistência. Não é ser a melhor, é sobre tentar e continuar. Não por opção, mas por sobrevivência. Três graduações, talvez cinco pós-graduações, um mestrado, artigo científico premiado em congresso, concursada. Eu consegui provar algum ponto? Fiz o que achava que precisava fazer, e sou muito grata e feliz por tudo isso, mas continuo sentindo um vazio.
A reconciliação com a escrita criativa e comigo mesma
Sou muito grata pelas oportunidades que eu tive, pelas pessoas que conheci, por tantos aprendizados. Posso dizer que sou uma sobrevivente, porque nem mesmo a tentativa de ******* daquele desgraçado me parou. E nunca vai. Eu quase morri naquela UTI, e achava que estava tudo bem ir embora e descansar em paz, e não sentir mais dor. E hoje agradeço tanto por estar viva. Por ter mais uma nova chance. E estou tão cansada das expectativas que as pessoas jogam, inconscientemente, nos meus ombros.
Não me arrependo das minhas decisões, nem da forma como eu cuido do meu trabalho, e levo muito a sério, até demais, minhas responsabilidades, até aquelas que não são minhas. Me importo demais com meus alunos, me preocupo com meus amigos, meus irmãos. Penso neles mais do que imaginam.
Sou uma pessoa séria, racional, que pensa diversas vezes antes de tomar qualquer decisão. Não gosto de estar rodeada de pessoas desconhecidas, odeio imprevisibilidades, e detesto não riscar todos os itens da minha lista diária. Quando tenho um objetivo, quero cumpri-lo, e se não for do meu jeito, simplesmente deleto e arrumo outra coisa, só não fico parada. Não gosto de lidar com "e se". Sorte não existe, o que existe é a probabilidade.
Mas eu também sou sonhadora. Coisas tão inusitadas acontecem na minha vida, e fico feliz quando compartilho isso com outras pessoas e elas dão risada. E não importa quantas listas eu faça, nunca vou conseguir cumprir tudo, porque no meio da minha sobrecarga, o meu lado criativo vem à tona e me aparece com uma demanda mais urgente. Às vezes é ouvir uma música e sair cantando. Ou ler mais um livro de fantasia ou romance.
Sou uma péssima dançarina, mas eu já me apresentei diversas vezes em um palco. E tudo bem, sou pior ainda cantando, mas meus amigos possuem o privilégio de ver nos meus destaques do Instagram a minha tentativa de cantar.
Algumas pessoas dizem que eu sou muito comunicativa, e automaticamente vem a imagem daquela menina deslocada na escola, querendo estar em qualquer lugar, menos rodeada de tanta gente. Quantas vezes não passei o intervalo na biblioteca, tendo os livros como minha companhia?
Fazem algumas semanas que eu não consigo parar de escrever.
Escrevo alguns conteúdos acadêmicos, dou aulas, porque eu recebo por isso e ainda tenho contas a pagar. E o que posso dizer se sou tóxica a ponto de amar isso? Saber que a agonia de achar que não consigo produzir um conteúdo científico vai passar, e quando eu finalizar mais um capítulo e mais uma aula, vou me gabar de como sou boa nisso. Ou reclamar do que poderia ter sido melhor.
Escrevi vários conteúdos para este site e para a Revista Jovem Geek nas últimas semanas. E nem foi por obrigação, foi mais do que um mero desabafo, foi... bom. Foi um sentimento, uma sensação nova e ao mesmo tempo antiga.
Minhas mãos doem, e acabo tendo que recorrer a softwares que transformam em texto, o que você fala. Eles são horríveis e transcrevem muita coisa errada, mas neste momento? É o que preciso fazer para não sobrecarregar mais ainda o meu físico.
Mais um item para a lista de coisas que eu detesto, mas acredite, é com um sorriso que digo isso.
Teve um momento da minha vida que eu não conseguia segurar com a minha mão um lápis de escrever. Meus dedos tremiam, eu não conseguia segurar nenhuma escova de cabelo. Meu celular caiu diversas vezes da minha mão. Naquela época, eu chorava de frustração e decepção, pensando... e se eu nunca mais escrevesse? E os meus livros não publicados?
O futuro incerto, mas desejado
Eu amo muito o mundo acadêmico e a área de educação, e quero continuar trabalhando com isso. Talvez de outras formas. Porque isso me custou muito caro, e quero recuperar alguns pedaços de mim.
Pela 1ª vez, como escritora independente, um conto meu sendo publicado na Amazon. Pela 1ª vez em anos, abri aquela pasta no drive cheia de livros. "Seu Amor é Uma Mentira" tem 75 páginas nos rascunhos. Achei que tivesse menos. Comecei a reler, porque não lembrava quase nada da história de cabeça, e precisei parar antes que as emoções fossem maiores. Porque lembrei de um pedaço do que pensei naquela história, na forma como eu queria enganar o leitor, e lembro de ter enviado esses rascunhos para algumas pessoas, e elas realmente tiveram a reação que eu esperava. "Diário Virtual" tem 115 páginas, e uns 100 comentários de leitores pedindo continuação.
"Celular Tocando", "Detesto meus 17", "Disputa de Poder", "Bromance", "Memórias", "Insituto IX", "Rainha do Clichê", "Troca de Identidade", "Skyler e Dimitri", "Amizade Colorida", são tantas ideias. Tem uma pasta azul no fundo de um armário, lotada de folhas empoeiradas, com mais ideias e rascunhos. Ainda não tive coragem de fuçar com atenção aquilo.
"366 dias", "Par Perfeito", "O Mundo em Nonimado", "Ela Áries, Ele Escorpião", "A Viajante do Tempo", "Dastan & Tâmina", "Garota Imperfeita", "História de Amor", "O Melhor dos 2 mundos", nossa como é bom revisitar tudo isso.
Eu venho gravando tantos vídeos idiotas nas redes sociais, e é muito bom a sensação de não me sentir uma completa idiota. Eu continuo com a cara enfiada em artigos acadêmicos. Montando minhas aulas e refletindo no planejamento docente para agosto. Tentando ganhar dinheiro para comprar minhas maquiagens, porque você nunca tem maquiagem suficiente. Sabendo que eu não estarei no Brasil por quase um ano, e preocupada em como eu vou estar quando voltar. Não serei a mesma pessoa, e estou me abrindo para a possibilidade de não me sentir mais em casa aqui, no país em que eu nasci. Nunca vou deixar de ser brasileira, mas eu tô muito afim de abraçar aquele outro lado.
Vamos ver quantas publicações na Amazon terei em um ano?
Obrigada por não desistir de mim, Katherlsynne ♥ É hora de viver esse pedaço que deixamos guardado.
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